31 de jan. de 2010

O pato que não sabia nadar

Ele sempre ia primeiro. Arremessado com energia, e cada vez numa direção, o pato afundava de leve antes de ressurgir, boiando, em posições nem sempre adequadas para um pato. Assim que ele aparecia, o garotinho se atirava para salvar o companheiro, anunciando: “Mãe, olha! Vou mergulhar!”. Não era exatamente um mergulho, só um salto no espacinho entre a borda da piscina e a água, o que não diminuía em nada o seu ato de coragem. “Mãe, olha! Agora vou nadar!”, e lá ia ele, salvar o pato, pedalando uma bicicleta invisível guiada por dois bracinhos azuis. Então colocava o pato na garupa e seguia “nadando” até a escadinha. Nesse trajeto, às vezes o pato se desequilibrava, teimando em se afogar de novo, o que complicava por instantes toda a operação. Recuperado, o pato ouvia um rápido sermão antes de ser recolocado no cangote do seu salva-vidas. Já em terra firme, o menino comemorava: “Mãe, olha! Salvei o Inácio!”, quase ao mesmo tempo em que corria de volta para o ponto de partida, ansioso pra atirar o pato pelos ares mais uma vez.
...
A mesma brincadeira de entra-e-sai da piscina, o mesmo "mãe, olha", tudo igual a todos, não fosse esse nome sensacional, Inácio.

(ST)

27 de jan. de 2010

Livro-filme


Deu vontade de rever os filmes de Jacques Tati depois de passear na bicicleta do senhor Hulot ("Na Garupa do Meu Tio", David Merville, Cosac Naify).

(ST)

22 de jan. de 2010

Palavras-martelo

Não é pensamento fixo, mas funciona do mesmo jeito. Às vezes uma palavra -- qualquer uma -- aparece do nada e fica martelando dentro da cabeça. Podem ser duas, ou quase, tipo "o abraço". Mas em geral é só uma mesmo, e quase nunca faz sentido, não combina com o que estou fazendo ou querendo pensar naquela hora. Pior ainda é quando o mantra vem com ponto de interrogação, um "quando?", por exemplo. Faz uma semana que esse "quando" está me perturbando. Sei que tem uma ideia rondando, sempre é assim que acontece -- a palavra-martelo fica batendo e de repente encaixa numa frase, vira um título, um poema. Ainda não descobri qual é a desse "quando?", mas ele é bem insistente. Não sei se vai dar em alguma coisa. Por enquanto, a martelação só serviu pra escrever este post.

(ST)

20 de jan. de 2010

A mini-poodle -- um miniconto

Ela latiu sem parar, mas ninguém entendeu. Tinha detestado o cheiro do xampu, o corte esquisito e aqueles horríveis lacinhos vermelhos.

(ST)

15 de jan. de 2010

Bichos


Depois da gata magoada, do peixe curioso, as ostras apaixonadas, formigas loiras e uma girafa posando de guarda-sol, um sapo. E dos grandes. Acho que ele se daria muito melhor num jardim, mas como o presente veio com a promessa de atrair boa sorte, dei um jeito de arrumar um lugarzinho pra ele por aqui mesmo -- ele não parece tão deslocado assim perto do vaso, não? É um tipo meio esquisito, mas tem lá seu carisma.

(ST)

14 de jan. de 2010

Formigas

Elas estão sempre por aqui, e não deveriam estar. As verdadeiras operárias vivem nos campos, nas praças ou, sei lá, nas calçadas, ao ar livre, carregando folhinhas e vivendo suas vidas de formigas na natureza em vez de tentar fazer parte do ecossistema da uma cozinha. Mas essas são muito diferentes. Minúsculas e loiras, ou quase – algumas têm certo reflexo arruivado. Observo nelas a mesma determinação de seus pares quando estão em ação, alinhadas como um exército em marcha rumo ao menor resquício de qualquer coisa que sobre na pia, no chão, na mesa, na dispensa. Fico imaginando como poderiam carregar um farelo de pão do quinto andar até o formigueiro, mas não é o caso. Essas são formigas modernas: trabalham e comem fora todos os dias, mal param na casa, que deve ser um ninho cinco estrelas instalado em algum ponto das fundações do prédio. Tudo bem, tem a violência das ruas e tal, até dá pra entender -- como tribos urbanas, preferem a segurança dos condomínios e a comodidade de ir e vir pelos andares de um shopping cheio de fogões-praças de alimentação, com menus variados. O que mais me intriga é a esperteza. Farejam qualquer tentativa de extermínio e rapidamente mudam os horários de ataque e o trajeto. Recolhem-se durante alguns dias e, de repente, reaparecem, desfilando por novas trilhas, com ar de superioridade. Simplesmente ignoram a hostilidade da vizinhança. Só dão folga no inverno -- daí passam longas temporadas sem aparecer. Talvez viajem pra alguma colônia de férias. Nos dias quentes, em compensação, ficam pra lá e pra cá no maior agito. E andam doidas com esse calorão – tem umas que, de tanta excitação, acabam atropelando as companheiras, desorganizam toda a fila. Essas formigas loiras são mesmo muito, muito estranhas.

(ST)

Guarda-sol


Foto de João Carlos da Silva Ramos, no Olhares.

11 de jan. de 2010

O peixe

Ele é azul. Ou melhor, muitos azuis. De vários tons brilhantes de escamas que vão clareando até sumir numa cauda fininha, quase transparente. Está dentro de um aquário grande com pedras, plantas ornamentais e outros peixes de cores e temperamentos diferentes -- é o único que não para quieto. Sobe veloz pra mergulhar na diagonal em direção ao fundo, no outro canto, e logo parte pra outra extremidade. Às vezes, nessas descidas, fica um tempinho olhando pela parede de vidro, entretido com o movimento colorido do imenso oceano que circunda o aquário. Mas logo sobe outra vez e mais uma vez desce, desenhando uma linha azul, como se fosse o contorno de um quadro líquido. Nesse vai e vem acorda um peixe que está se fingindo de pedra, cutuca uma turma que boia em grupo, meio sonada, implica com um douradinho, minúsculo, que se atrapalhou no meio das algas. Mas ninguém dá bola. Então o azul continua, sozinho, pra cima e pra baixo. É o único que não para quieto e se arrisca até o ponto mais alto, só pra mordiscar a água com gosto de céu.

(ST)

8 de jan. de 2010

Esquentando


Fiz essa "arte" numa das páginas do lindo "Almanaque dos Sentidos", da Carla Caruso.

(ST)

7 de jan. de 2010

Magoada

É sempre assim: o drama começa quando tiro qualquer mala do armário. Primeiro, ela fica agitada. Depois, pula pra dentro da mala e fica me encarando, como se quisesse uma explicação. E eu explico. Conto que é uma viagem rápida de trabalho ou que só vou ficar fora no final de semana ou que todo mundo tira férias de vez em quando. Não adianta porque, de todo jeito, ela some logo em seguida, se recolhe pra um dos seus esconderijos. Dá pra entender, também não gosto de despedidas. Quando volto, ela sempre dá uma esnobada de uma ou duas horas, mas depois tudo entra nos eixos. Quer dizer, entrava. Faz três dias que cheguei de uma semaninha na praia e as coisas não vão nada bem. Acho que dessa vez ela ficou muito chateada. Está me castigando pra valer. Tentei de tudo, mas não tem conversa, nem um miado. Até ontem eu estava achando que era cena, mas fiquei preocupada de verdade depois que ela simplesmente ignorou o prato cheio de petisco crocante sabor salmão, iguaria reservada para as ocasiões especiais. Em dez anos, isso nunca aconteceu. E hoje, isso.

Ela entrou na caixinha, virou a cara pra parede e ficou desse jeito. Horas. Não sei mais o que fazer pra quebrar o clima. Alguém tem uma sugestão?

(ST)

6 de jan. de 2010

5 de jan. de 2010

Começar

Tinha planejado voltar amanhã, mas o texto do Tino Freitas no Roedores de Livros me fez mudar de ideia. Uau, meu ano não podia ter começado de um jeito melhor!

(ST)