23 de mar. de 2015

quer saber um segredo?


o segredo da menina é precioso como uma pérola
e vive escondido dentro de uma concha que é só dela

o segredo do menino é valioso como ouro
e fica trancado num baú como se fosse um tesouro

mas, às vezes, o assunto é complicado
e já não consegue continuar trancafiado

daí começa a aparecer feito assombração
e faz de tudo para tentar sair da sua prisão

de repente, tenta escapar, mas fica sem voz
e para na garganta, engasgado num monte de nós

a menina morde os lábios e o menino se cala
mas não adianta: de outros jeitos, o segredo fala

feito vento invisível que movimenta tudo
o silêncio diz muito, mesmo se fingindo de mudo

e a lágrima vira palavra de letra transparente
que os olhos escrevem de um jeito urgente

quando um segredo teima em se contar
é melhor ter alguém com quem conversar

não se engane: ele vai continuar mandando recado
como um velho ranzinza e bem magoado

a concha abre devagarzinho: o menino presta atenção
a ponta do baú aparece: a menina tropeça na emoção

e então eles descobrem outro tesouro
mais precioso do que mil pérolas e todo o ouro

um lugar seguro, onde todos os segredos cabem
como um grande cofre que não precisa de chave

por lá, os segredos circulam à vontade
protegidos por um laço chamado amizade

17 de mar. de 2015

uma noite, um gato



Lá fora tem um mundo tão grande!
Quantas coisas pra descobrir...

Ao mesmo tempo, é bom estar aqui
No meu mundo de silêncio e contemplação

Lá fora tem o escuro da noite, as ruas desconhecidas
Mas... Quantas aventuras podem acontecer?

Será tão bom quanto me espreguiçar à vontade
E dormir profundamente num lugar quentinho?

Quando adormeço, visito outros mundos
Às vezes, sou outro gato em outra vida
Passeio lá fora aqui dentro
 
Pela janela vejo a vida em movimento
E ronrono: lá fora, aqui dentro
Tudo é sonho

9 de mar. de 2015

trecho


(...) Eu tinha 12 anos quando minha avó morreu. Três dias antes, ela estava lá, na cozinha que eu conhecia desde sempre, eu e ela em frente ao fogão, duas colheres de pau misturando a massa do brigadeiro na panela de ferro, e eu ria cada vez que mergulhava a ponta do dedo no chocolate quente, Nina, desse jeito você acaba com o recheio do bolo! Ela estava lá, fazendo as coisas de sempre, perguntando da escola, se eu tinha ido ao dentista, querendo saber das novidades e me pedindo pra ligar o forno enquanto untava a forma com uma nuvem fininha de manteiga. Ela ainda estava lá, de pé, ao lado do portão, quando saí carregando o embrulho de papel alumínio com todo o cuidado, minha mãe com o carro ligado, reclamando do trânsito, prometendo voltar no sábado, e o cheiro quente do bolo dentro do carro, virando a esquina enquanto ela acenava pra nós. Ela ainda estava lá.